Aos vinte
anos de idade Richard E. Byrd Jr. estava certo de uma coisa: sua carreira na
Marinha estava encerrada. Naquele momento ele era um jovem tenente com apenas
quatro anos de serviço ativo, transferido para a reserva com três-quartos de
seu salário em 16 de março de 1916. Parecia um final infeliz para a promissora
carreira do filho caçula de uma rica e proeminente família da Virginia: a saída
forçada do serviço naval devido a contusões no pé que o faziam mancar e lhe causavam
dores durante aquelas quatro horas do quarto de serviço na ponte de comando.
Duas fraturas em função de atividades atléticas durante seus dias na Academia
Naval e outra no mar tinham baixado o moral deste altamente motivado e
eficiente jovem tenente. Todavia, ao final, seu pé quebrado e sua prematura
transferência para a reserva foram de muitas maneiras providenciais, não só
para a sua bem-sucedida posterior carreira como aviador e explorador polar, mas
para o estabelecimento de um chefe dos capelães à frente do Corpo de Capelães
Navais. Muito se sabe sobre o Byrd explorador, mas o papel determinante que
Byrd exerceu na organização da Capelania Naval tem permanecido largamente
esquecido.
Os eventos mundiais e a determinação de Byrd conspiraram para dar-lhe uma
segunda chance de carreira na Marinha quando os Estados Unidos declararam
guerra à Alemanha em abril de 1917. Infelizmente para Byrd, as oportunidades
que se lhe apresentaram não incluíam o serviço no mar que ele ambicionava.
Primeiramente, ele foi encarregado de mobilizar e organizar a milícia naval do
estado de Rhode Island, um trabalho que ele fez, todavia, com zelo e
eficiência. Depois, ele foi designado para um lugar bastante distante do mar,
uma mesa de trabalho no Departamento da Marinha em Washington, D.C., onde ele
passava seu tempo arrumando formulários de transferência para homens alistados.
O tenente Byrd foi resgatado de seu pouco glamouroso trabalho pelo Secretário
da Marinha, Josephus Daniels quando este decidiu indicar o jovem cheio de
energia como Secretário para a Comissão Naval de Atividades de Treinamento de
Campo. Esta não foi a mudança na carreira que Byrd havia desejado – na sua
cabeça a mudança havia ocorrido apenas em levá-lo de uma mesa enorme para uma
cesta enorme. Byrd permanecia um marinheiro infeliz, tornando-se depressivo e
chegando a perder peso. Ele estava convencido de que não poderia dar uma maior
contribuição ao esforço de guerra enquanto permanecesse nos lânguidos postos
burocráticos do Departamento da Marinha. Mal sabia ele que era como secretário
desta comissão naval que o jovem oficial faria uma verdadeira contribuição
definitiva para a organização de seus capelães da Marinha e deste modo aumentar
a eficácia do ministério destes aos marinheiros da nação.
O interesse de Richard Byrd pelos capelães navais remonta aos seus tempos de
aspirante em Annapolis. Quando o Capelão Evan W. Scott (posteriormente segundo
chefe dos capelães) visitou o aspirante hospitalizado após um dos acidentes
atléticos de Byrd, o jovem ofereceu seu aval e apoio ao ministério de capelães
navais. O jovem Byrd provou que seu interesse era genuíno quando em 1913
escreveu ao Secretário Daniels para expressar sua preocupação com alguns
capelães que ele havia observado, e que ele sentia que não estavam
desenvolvendo todo seu potencial. Contando ele mesmo com menos de dois anos de
serviço, Byrd foi corajoso em informar ao Secretário dos problemas que ele via
no Corpo de Capelães e no “deplorável estado de coisas” da religião organizada
na Marinha. Byrd disse que via dois problemas que requeriam atenção. Primeiro,
ele deplorava o que ele pensava que fosse uma deficiência de bons homens nos
postos de capelão. Ao seu modo de ver, muitos capelães “sucumbiam às condições
do meio ambiente da Marinha”, tornavam-se “insensíveis a estas condições” e não
tomavam efetiva ação remediadora, ou simplesmente não estavam ajustados à
profissão. O capelão naval eficaz, disse ele, era “uma raridade”. Seu segundo
ponto enfatizava que o remédio era melhorar a qualidade da composição do corpo
e aumentar seus efetivos.
A carta de Byrd detalhando seus desapontamentos com alguns capelães, coincidiu
com um esforço em andamento entre os próprios capelães navais para melhorar a
composição e funcionamento de seu Corpo. Esta situação vinha ocorrendo há
bastante tempo, desde o início do século dezenove, quando pessoas não ligadas
ao clero tinham sido indicadas para capelanias por comandantes de navios mais
interessados nas habilidades de secretário da pessoa escolhida do que em seu status
eclesiástico ou saúde moral e espiritual. Mesmo John Paul Jones parecia estar
interessado em conseguir um capelão com boa capacidade de escrita tanto quanto
alguém qualificado em questões espirituais. Progressos haviam sido feitos em
melhorar a qualidade dos capelães ao longo dos últimos cem anos, mas nunca com
sucesso total. Na virada para o século 20 ainda havia “crianças problema” no
Corpo de Capelães, como, aliás, havia em outras comunidades de tropas e
estados-maiores, e capelães com lapsos morais parecia algo particularmente
ofensivo. Havia muitos casos de capelães navais que se desviavam. Ocorrências
de problemas com bebidas e mulheres levaram a demissões e corte marcial, e um
capelão chegou a cometer suicídio.
Uma solução para o problema apontava no sentido de melhorar a seleção e os
procedimentos pouco cuidadosos para se escolher os clérigos e para se monitorar
seu trabalho. Um dos princípios da profissionalização é a habilidade de uma
profissão em controlar o acesso e permanência de seus membros. Havia um debate
corrente entre os capelães na Marinha sobre a necessidade de ganhar mais
controle sobre o Corpo, obtendo-se o direito de selecionar candidatos,
estabelecer padrões de admissão, demitir membros do Corpo. Na forma como as
coisas se encontravam, capelães eram controlados pelo Escritório de Navegação,
por pessoas não familiarizadas com a natureza da profissão e suas necessidades,
pessoas de fora das fileiras do clero. Em particular, não havia um capelão
encarregado dos capelães da Marinha, nem administrador profissional, como já
era o caso do Corpo de Médicos e do Corpo de Enfermeiros; então não havia reais
padrões de responsabilidade e nem pessoa ou organização encarregada de
monitorar a performance do capelão. Aqueles indecorosos e ineficientes
exemplos, tais como observados por Byrd, ainda estavam no serviço ativo, em
parte por causa do estado desorganizado e sem comando das fileiras de capelães.
A situação não era nada nova e os capelães se queixavam sobre isso há anos. O
provável é que o problema era quase tão desolador quanto não era tão comum,
como a limitada experiência do jovem Byrd parecia mostrar, mas era um problema
genuíno e precisava ser tratado.
Por muitos anos os capelães navais tinham discutido a idéia de um capelão
designado para o Departamento da Marinha em Washington, D.C., para
supervisionar questões como designação de capelães e para tratar de assuntos
legislativos relativos a capelães, perante o Congresso. Todos os outros Corpos
tinham seus lobistas no Congresso. A localização do prédio da Marinha em
Washington tornava lógico que o capelão designado para lá poderia atuar como
uma ligação com o escritório do Secretário da Marinha e como um monitor das
ações no Congresso.
Isto é de fato o que aconteceu quando os capelães procuraram compensações pelas
fraquezas que eles sentiam, como um resultado de sua omissão em relação à
carreira e ajustes de salário resultante do Ato de Pessoal Naval de 1898. Os
capelães William G. Cassard, Rosswell R. Hoes, e George Livingston Bayard, todos
designados sucessivamente para a sede da Marinha, tentaram usar sua presença na
vizinhança do Departamento de Marinha para organizar esforços a fim de melhorar
o salário do capelão, seu status, requisitos de admissão e organização. Uma das
sugestões feitas nos anos que antecederam a 1a Guerra Mundial foi que a Marinha
ao menos “estabelecesse uma banca examinadora de capelães” para examinar
candidatos a comissões como capelães. Em 1909 a Marinha aceitou a idéia e criou
uma Banca de Capelães para examinar candidatos e aplicar um exame escrito. Esta
não foi, entretanto, uma banca permanente e ativa, e a natureza esporádica de
seus encontros nunca lhe permitiu funcionar de uma maneira organizacional
contínua, exercendo uma capacidade de supervisão. Enquanto muitas outras
profissões tanto dentro como fora do âmbito militar estavam se burocratizando
para se adequar às exigências modernas, o Corpo de Capelães Navais dos Estados
Unidos foi para a 1a Guerra Mundial sem qualquer organização burocrática sobre
si próprio.
A idéia de um capelão na chefia não era nova. Capelães Navais no século
dezenove abordaram intermitentemente; a idéia veio à tona novamente em esforços
para reformas após a virada do século. Em 1913, o Capelão Bayard tinha
recomendado ao Secretário Daniels que ele designasse um capelão mais antigo
para servir no Departamento de Marinha, mas nada resultou disto. As pressões da
guerra e o aumento das exigências por uma direção eficiente dos esforços da
capelania naval, transformaram 1917 num tempo propício para se renovar a
sugestão de Bayard. Ainda nada aconteceu, por causa da inércia burocrática que
protegia o status quo.
Neste momento de gestação entrou o tenente Byrd em sua condição de secretário
para treinamento de atividades de campo, uma tarefa que o levava a ter
substancial contato com os capelães. Deve ter sido destes encontros com
capelães que Byrd tornou-se consciente de suas idéias para a reforma de seu
corpo. Em 13 de outubro de 1917, Byrd escreveu uma carta ao Secretário Daniels
na qual ele desenvolveu uma detalhada argumentação em favor da seleção de um
capelão mais antigo para servir em Washington no Departamento da Marinha, e que
coordenaria os assuntos da Capelania Naval. Byrd disse que ninguém poderia
dirigir os capelães de uma maneira melhor do que um deles mesmos; aliás, ele
argumentou que esta situação era a razão maior porque os capelães não tinham
desenvolvido todo o seu potencial. A qualidade das nomeações não melhoraria até
os capelães fazerem a seleção: “Quanto mais tempo se permitir que qualquer um
exceto um capelão escolha homens para o Corpo de Capelães, nós somente
poderemos esperar homens de pequeno calibre”. Byrd disse que a nomeação de um
chefe do Corpo aumentaria o moral dos capelães e melhoraria seus padrões.
Manter uma atmosfera moral tinha sido uma preocupação de Daniels, que adotava
uma atmosfera paternalista para com seus marinheiros. Byrd argumentou que “um
eficiente homem de Deus era um ingrediente essencial para este fim. Além disso,
o crescente trabalho de bem estar e a necessidade de coordená-lo eram ainda
outra razão para os capelães terem alguém os representando no Departamento da
Marinha.
A única objeção que Byrd poderia antecipar era a desarmonia potencial entre
elementos Protestantes e Católicos Romanos, mas ele disse que tinha recebido
cartas de capelães indicando que isto não seria um problema, certamente se um
“homem grande o bastante para tornar impossível qualquer discórdia” fosse
designado. O jovem oficial concluiu sua carta dizendo que, ainda que o Corpo possa
ter operado com êxito sem um capelão como seu cabeça enquanto havia 24 homens
para chefiar, a planejada expansão em andamento para uma centena de capelães
tornava a criação de um capelão na chefia “enormemente mais urgente”.
Três semanas depois, em 5 de novembro de 1917, o Secretário Daniels nomeou John
Brown Frazier, o capelão mais antigo da Marinha e um metodista como Daniels,
para servir no Departamento da Marinha. O Secretário encarregou Frazier de três
responsabilidades primárias. Primeiro, ele lhe confiou a supervisão da relação
dos candidatos as capelanias entre os nomes indicados pelas igrejas. Segundo,
ele lhe deu a tarefa de inspecionar o trabalho dos capelães. Terceiro e mais
importante, Daniels deu a Frazier a “supervisão geral do Corpo de Capelães”.
Por fim os capelães navais tinham um dos seus próprios à sua frente. A
designação não se apoiava na legislação, mas apenas na nomeação feita por
Daniels – ainda assim os capelães não precisavam ficar preocupados. Tradições,
uma vez iniciadas na Marinha, são difíceis de se mudar, e apesar dos temores de
Frazier de que um novo Secretário pudesse desmantelar o arranjo, a lotação do
capelão mais antigo no Departamento da Marinha continua até os dias de hoje. Os
capelães navais finalmente tiveram seu primeiro administrador profissional no
cargo de ministério cotidiano de capelão. Ainda que a posição imaginada por
Frazier não tenha recebido o título de “chefe dos capelães” até 1944, de fato
ele o era. A questão, contudo, permanece: quão influente foi o jovial tenente e
futuro explorador Antártico, em dar aos capelães seu chefe? Houve qualquer
evidência de que seu argumento foi fundamental na decisão de Daniels?
Uma carta de 1922, de Evan W. Scott, sucessor de Frazier, escrita a Byrd,
fornece alguma luz sobre a influência deste na decisão de Daniels. Scott
escreveu a Byrd que “tenha um sentimento, que você, na época no Escritório (de
Navegação) e um membro da Comissão Naval de Atividades de Treinamento de Campo,
foi mais ou menos responsável”. Scott relatou que enquanto ele nunca tivesse
visto uma cópia da carta de Byrd para Daniels, de outubro de 1917, agora, cinco
anos depois do acontecimento, o Capelão Frazier, numa conversa com quatro ou
cinco capelães navais mais antigos, tinha confirmado o papel exercido por Byrd.
O Capelão Scott indicava que todos os capelães navais tinham uma dívida de
gratidão para com o tenente Byrd por sua intervenção em favor de um chefe dos
capelães. “Ninguém que não tenha servido sob estas duas (diferentes) políticas
pode compreender o que se alcançou. Antes nós éramos um grupo de indivíduos sem
laços de filiação outros que não a amizade pessoal e não havia uma sistemática
ou metodologia no trabalho ou na função dos capelães. Agora, todo capelão sente
que é parte de uma organização viva”. Sem menosprezar o trabalho de Frazier ou
de outros, Scott disse a Byrd que a “causa real, mas não tão óbvia” foi a
“mudança no método produzido por sua sugestão”.
Scott relembrou Byrd de sua visita ao leito do aspirante acidentado no hospital
naval muitos anos antes e como Byrd tinha dito que “apoiaria intensamente” o
trabalho do capelão “assim que tivesse oportunidade”. Scott declarou que o
apoio de Byrd para a criação de um chefe dos capelães “produziu em um curto
espaço de tempo uma realização maior do que eu achava possível, e possivelmente
maior do que qualquer coisa que você sonhasse”. Scott, agora o sucessor de John
Frazier, concluía: “Eu desejaria que todos os nossos capelães fossem plenamente
conhecedores dos fatos quanto a esta questão, mas eu posso lhes assegurar que
no tempo devido eles tomarão conhecimento”.
De alguma maneira esta pequena estória sobre a oportuna intervenção do jovem
Richard E Byrd Jr. em prol do Corpo de Capelães Navais não entrou para a
história oficial. Claramente, o Corpo de Capelães, e certamente os homens e
mulheres de todos os atuais serviços do mar, devem ao homem que depois se
tornou mais conhecido como Contra-Almirante, cientista e explorador polar, um
débito substancial. Já se vão oitenta anos, mas está claro o registro de quão
oportuno foi o pé quebrado de Byrd para a criação do primeiro chefe dos
capelães navais. Sua habilidade em enxergar o que estava se passando e agir
corretamente sobre isto, e sua persistência tornaram possível um ministério
mais eficiente e mais forte nos serviços navais.